sábado, março 31, 2007

RAIMUNDO EU

Quando eu morrer, me enterrem
Em pleno ermo da caatinga,
Pra que eu não saia de lá,
E nem me afaste do meio
Dos bois já idos pela metade,
Com o resto eu tome cuidado,
Desterrem as nuvens invernadas.
Quero ser seco na vida,
O que eu não fui na morte.
Ainda tenho braços fortes,
Ainda seguro um garrote,
Não com os pulsos, com oração.
Quando eu morrer, se vê depois,
Por ora tirem meus pés,
Pra não andar de revés,
Não chegar longe. Quem é.
Que não deseja ficar,
Num lugar que bem lhe quer.
Quando eu morer, não dêem mole
Ao meu corpo dorminhoco,
Soltem-me sem alma num oco,
Não chamem-me mais Raimundo,
Serei só um bicho solto.

quinta-feira, março 29, 2007

ARTÍFICE

Quem me arrefece e me liga ao sol poente
É esta nascente no meu cérebro ensacada
O que me deixa de olhar prospectivo
É a teimosia de eu mesmo rir de mim
Provocando insone a noite e seus clarins.
Cato folhas na escuridão, e passo a mão
Pra sentir se é verde, cheirando o talo,
Não há quem caia dessas alturas agora,
Que não esteja morto, que não seja a hora.
Quem me resfria são os cantos dos galos,
Que me derramam serenos da noite esguia,
Uma noite só, parece mais comprida,
Que se comprimisse ao meu peito o chiado,
Mas ela tinha de ficar mais curta, e chata.
Pedem meus cordões à lua,
E assim cativa é só minha a musa,
A desejosa que todos inventam
Com ela disfarces de gente.
Quebram-se os fios invisíveis
De minha vida toda, todo aventureiro,
Ainda cato folhas abatidas,
Pelo estampido do sol, pela idade,
Pra minha festa, no fim da hospedagem,
Nesta estalagem onde ninguém dorme,
Prometerei trazer puxado à linha
O que me aquece, o que me resfria,
O sol poente se debatendo força
O sol nascente já querendo ir,
Os galos roucos na manhã ressaca,
Para que me esqueçam e procurem lembrar,
Que fui artífice da junção dos sóis,
Que andei de noite pra lá e pra cá.
Visto assim de mim
Pareço de outro tempo
Ou mais à frente ou mais pra traz.
São raros os traços que lembrem a pessoa
De olhos ávidos por não saber de si,
Uma procura que se formatiza agora
Que já vai longe,
Deixando rastros como onça encantada.
Ora vejo as marcas inconfundíveis
Dos meus dois pés.
Ora pareço ser carregado às costas.
É o meu cansaço que já se bota sobre mim
Dispersando-me dos caminhos vastos
Comprimindo-me nas veredas abandonadas.
Visto pelos meus olhos,
Eu fiz muitos atalhos e é impossível agora,
Um resgate, sem que me acuem
Com cães treinados.
E a distância que percorro
Mais me agonizo, mais morro.
E quanto mais disperso
Mais vejo a lua em seu andar imerso
Em nuvens, em estrelas,
Que também se afundam.
Olhando-me de fora,
Mas me vejo dentro,
Preso como um rebento
Ainda por rebentar, ou se afundar.
Morar eternamente no ventre de uma mulher
Que eu sei quem é, que eu sei quem é.

quarta-feira, março 28, 2007

AI MEUS OLHOS, AI LUZ, AI CORAÇÃO

Não necessitamos só de olhos
De uma luz que se nos mostre
E mostre os campos floridos
Para enxergarmos com essa lua,
As flores de eterna espera e beleza,
Precisamos também não pensar
Em outras coisas que não sejam
Rosas e luz
Amor e paz
Ter a cabeça como um cárcere aberto,
Liberto todos os infratores,
A angústia, os pensamentos vãos,
Que vão da filosofia aos pensamentos feitos.
Do orgulho ao desapego das coisas,
Do amor ao sentimento de não ser amado.
Não necessitamos só de olhos
E de um coração ermo
Para deduzirmos a beleza das rosas,
Necessitamos do mesmo coração, teimoso,
Inquieto e procurador,
Que ajude os olhos e a luz
Esperançoso,
E que se mova no tempo
Como um caçador dos fugitivos.
TEMPO DE PAZ

É necessário lembrar-se de tudo
A todo tempo tudo seja lembrado,
O levante das mãos, o último abraço,
O primeiro sorriso aberto no mundo.
É preciso de nada se esquecer,
Da casa fechada quando é pra sair,
Das portas abertas quando é para entrar,
Da rosa pesada que entortou o galho,
Olhar se o esteio não a deixou cair.
É imperioso a todo o momento estar atento
Não só aos perigos que vazam dos jornais,
Não às reticências que alguém tem
À tua pessoa e a outras,
Não aos espinhos que protegem flores,
È estar atento ao amor deserto,
O que necessitas, a lágrima certa,
Aos necessitados também do teu amor,
Do amor que ferve, e do que se aquieta,
No fundo acomodado. Os necessitados,
Os fugitivos de seus amores,
Perseguidos ainda, e ainda sentem dores,
Dos malefícios de outrem
O infortúnio da diferença,
Que há olhos que vêem.
É preciso estar atendo aos teus,
Que ele não se tornem olhos de cachorros,
Que vêem preto e branco apenas,
Não previram uma aquarela,
Se sim, assim, eram mais singelos.
È necessário estar atento ao tempo,
Que pra tudo há tempo, amor e lugar,
Pra se fazer o bem, descomprometido e franco,
É preciso andar a uma distância dos barrancos,
Reparar nos flancos, se já é tempo já,
De repor o mundo, a dor, de procriar,
De estreitar-se a cama com um só cobertor,
Esses cuidados todos que Deus nos delegou.
Se fores estéril, que não seja de amor,
Pois não fará falta um filho, do que muito restou,
Poderão ser teus outros estéreis de pais,
É preciso estar atento, no tempo de paz.

terça-feira, março 27, 2007

NÃO VIU O AMOR

Quem não olha a flor
Como a formiga, calmamente
O seu sêmen reprodutor.
Como o sol, louco
Pra ver a lua,
Se posta madrugador.
Como quem vem pelas encostas,
De um jeito surpreendedor,
Louco pra ver se a dor
Já se arredou.
Querendo ver o sinal
De quem já beijou.
Quem não faz um ninho
E fica ali juntinho,
Silvando à fêmea
Ao macho, protetor
E não se põe a agradar,
Pelas manhãs todas as rosas,
Como faz um beija-flor.
E não se dá, em lenços
De papel, lágrimas de dor,
E não penetra o coração
Pelo seu veio irrigador.
Quem na vida toda,
Passou o tempo
Mergulhado em seu próprio calor.
E não meteu os pés pelas mãos,
E andou distando e não se atropelou.
Não disse nada,
E nada ouviu do amor.

segunda-feira, março 26, 2007

PERDÔO-TE

Perdôo-te
Por não teres aonde ir com o meu coração.
Se o teu carrego sempre em minhas mãos,
Como uma hóstia,
Antes de ir á boca,
E encher meu peito de aflição.
Perdôo-te
Como já fiz tantas vezes
Em que errou meu nome, vão
E a casa onde moro
Sabendo aonde ias,
Com o endereço em tua mão.
Perdôo-te
Por amares mais as flores
Que a mim, e em teu jardim
Há mais delas do que eu,
E mais esterco do que cores.
Perdôo-te,
Perdôo-te com a decência
De esquecer tua dormência,
O dia todo passas,
Com a minha ausência.
Perdôo-te
Por não me deixar uma fresta
Se de mim nada mais resta,
Até meu nome trocas,
E nunca acertas.
PELO AMOR DE DEUS

Pelo amor de Deus. Não vês que não aumentas
Nem contrai o meu coração, por sofrimentos.
Não crês na chaga vista, exposta, tão tormento.
E já não és capaz, da mesma fúria em tempo
Que os algozes voltem em seu momento;
De desfazer os nós, romper a corda extensa,
E nasceres de novo, criança e arrependimento.
Pelo amor de Deus, não há o que tu arrenegues
Se a guerra foi por tua parte mais entregue,
Não vês no corte aberto, que se escorregue
O pranto intento, intensa dor não há quem negue.
O rubro rosto, de mulher, que não se esfrega,
Nos bombardins, nos pelos, dos tiranos albergues.
Pelo amor de Deus, não vês que assim fazendo
Estás a desmanchar o riso em tua face, vendo
O teu orgulho puro entulho, animais remoendo
A dor que falta em ti, é a dor de mais do menos
E se ressentindo estás ao ver-me refazendo,
As malas, os remédios, eu todo me desfazendo.
Pelo amor de Deus, não vês que o homem é
Um bom sentido a uma mulher,
E não sabes se andas, pra que lado, quer,
A minha morte ou vida, areia ou maré.
Amor ou ódio, então, dis-me o que és,
Não desfolha em vão, descrente, um bem me quer.

sábado, março 24, 2007

RETRATO

Rasguei nosso retrato em bandas,
Numa ficou mais eu
Na outra ficou mais você.
Numa fiquei sozinho
Na outra você ficou sozinha
Numa fiquei sem braço
Na outra fiquei abraçando
Numa ficastes sem pescoço
Na outra ficou minha mão.
Por esse aveso de coisas
Eu me assombro
Só de perceber
Quão forte é a liga dura
Que me une a você.
Rasguei o retrato
Tentando separar as vidas.
Mas a nossa direção dividida
Cruza-se em toda frente,
Ou de todo atras.
Faces solitárias,
Mãos persistentes
Que não se separam.
È como um nó.

sexta-feira, março 23, 2007

AURORA

Tem uma aurora madrigal
Incidente matinal,
De vista clara, de chagada mansa.
Que começa dia e se vai ao sol.
Uma conseqüência das ordens divinas,
Uma estrela cândida que enche os caminhos.
Que nos posta nos levantes da noite,
Que se inicia já por se chamar.
Tinha outra Aurora,
Que em minha vida foi um luar.
Uma menina de olhar de estrela
De caminhado manso, tal sombra de beiral,
De pernas lisas como chão molhado,
Com cabelos claros como a cor de seu nome.
Sou eu quem a acordava, na virada da esquina,
Quando ela passava displicente, fina,
A sombra de sua cintura, apontava antes.
E eu gritava!
Aurora, toma a minha mão.
Aurora, meu jardim florido,
O teu cabelo solto assim,
É como o romper de um dia,
E o teu nome mesmo mostra
Outra vida para mim.
Tem um jeito lindo, Aurora,
Teus olhos fechados, assim,
É como dormir tranqüilo,
E sonhar de todo anjo,
Outra vida para mim.

quarta-feira, março 21, 2007

ESTAÇÃO

Ave branca, esta manhã,
Com as estrelas liquefeitas
Em outra luz de outra luz
Uma saudade que vem
Da nascente das estações
O trem da vida espreita,
De braços abertos e peito,
Em sacudidos gestos.
Assentos se movem
Move-se a luz de outra luz,
Transporto-me à estrada
No seu começo
E venho louco e não distingo
A beira, as cercas, os milharais
Passam azuis,
E a esperança verde passa, por mim.
Como água serena na areia,
A solidão está aqui,
Comigo e ela, comigo
Gasto os sapatos, um freio brusco,
Paro e sento sobre o trilho solto
Ave cinza, esta tarde,
Já tarde demais, quase noite,
As estrelas se compactam,
E enchem o meu peito de saudade.
Saudade deste dia corredio,
Da esperança fugidia,
Com quem dividi todo o tempo de hoje
Bancos rijos, nenhum sacolejo,
Ninguém anuncia, esbravejo.
Maldito dia que não trouxe tudo,
Trouxe-me o nada,
O nada, vazio,
Um trem de vagões batendo,
Uma viagem que eu fiz,
Na ida,
E era à volta a minha esperança.
Saíram das formas todas as estrelas,
Pepitas, na mesma forma de prometer,
Amanhã, líquido quente,
Uma luz da mesma luz inquietante,
Fica o meu coração na estação,
E eu vou sem ele, fugir
Dessas visões de quem não vê,
Só sente, levanta, senta, sente.

terça-feira, março 20, 2007


LA LUMA

Tua beleza é como a lua,

Não tem tempo nem hora.

De noite, inteira quando ilumina

Ou quando míngua indo embora.

Tua beleza, só a natureza

Pode mostrar como é

É pura imensa,

Viaja em vento

E retorna com a maré.

domingo, março 18, 2007

BELEZA
Não necessitamos só de olhos
De uma luz que se nos mostre
E mostre os campos floridos
Para enxergarmos com essa lua,
As flores de eterna espera e beleza,
Precisamos também não pensar
Em outras coisas que não sejam
Rosas e luz
Amor e paz
Ter a cabeça como um cárcere aberto,
Liberto todos os infratores,
A angústia, os pensamentos vãos,
Que vão da filosofia aos pensamentos feitos.
Do orgulho ao desapego das coisas,
Do amor ao sentimento de não ser amado.
Não necessitamos só de olhos
E de um coração ermo
Para deduzirmos a beleza das rosas,
Necessitamos do mesmo coração, teimoso,
Inquieto e procurador,
Que ajude os olhos e a luz
Esperançoso,
E que se mova no tempo
Como um caçador dos fugitivos.

sábado, março 17, 2007

JUIZO

Dos homens ardilosos e tristonhos
Sou eu o que mais perdoa.
Me apena os olhos escanteados
Dói-me a ferradura batida a martelo.
E quando o mártir não sou eu, o algoz
Retiro os óculos e limpo a fronte
Para que vejam que não é pelo meu nome
Nem pela minha honra que vejo.
Vejo por quem choraminga num canto longe.
Aplicado nos mandamentos dos assentos achados,
Dos islãs, dos alcorões, da bíblia, das cartas de Maomé,
Dou como prêmio aos homens infratores,
Um aperto nas mãos de ver sangrar nos meus olhos,
A piedade deles, em cálido gesto,
E imputo a mim o rebaixamento no regresso.
Não me valho do posto de anjo sacrossanto,
Das vias que pisei, de pura lama,
Não, não abro o livro que escrevi na vinda,
Nem levo a risca os riscos que corri.
Mas um desafio, à minha alma pequena imputa,
O de ser bufo, o que faz matar de rir.
Quem vê escolhe entre mim e outros,
E de todos, até eu, sou escolhido.
Sou entre os anjos o que se perpetua na terra,
Um desatado, um homem em completude,
E a sentença que se anuncia é rude,
A ela deixo suportável, mansa em tudo.
Não matarei por cortas pêndulas.
Não esgarçarei por lâminas involuntárias,
Não permanecerei muito tempo em volta
Daquele que já foi, e até pode reincidir,
Nas maledicências, no desejo solitário,
Na liberdade que a mim foi concedida,
De fazer na vida, o que não na morte, onde
Poderei nem ver e ser cético, calado, morto.

sexta-feira, março 16, 2007

BAILARINA

Cessou o vento. Todas as árvores
Ficaram imóveis na espera
Do número espetacular.
Quedaram-se, só o silêncio
Se ouvia.
O tempo ornamentado
Num paramento de estrelas e lua,
Brilhos dos olhos das cores
Que se moviam lépidas e leves.

Foi um silêncio macio, plumoso
Que começara por entremear seus pés e braços.
Uma folha sai. Viva e nova, de uma moita
E alça vôo sem um alarde
E cai sobre a grama tapetada.

É uma esperança viva e verde
Que se lançou do alto da lona
Com uma aparência de palhaço mudo
E assim foi tudo
Tudo o que se aguardava ver
Uma esperança, alai,
Dançando como bailarina
Que num salto empina,
Suas asas pelo ar.

quarta-feira, março 14, 2007

A TUA VOLTA
Uma batida na janela.
Alguém estava batendo na janela
Daquela casa obscurecida, por densas trepadeiras.
Vire-me e deparei-me com a janela,
Vi uma cabeça;
O brilho dos dentes, os cabelos negros,
Aquele olhar soslaio,
Os longos dedos gesticulando.
Que trovão era aquele na minha barriga?
E como impedir aquela paralisia do pensamento
E aquela inundação de lágrimas,
Tornando meus sentidos reais?
Mas eu quero isto.
Não morrerei sem isto.
Por isso vou chegar a ti,
Mulher da janela;
Tu que me fascinas tanto,
E me inebria, o quanto saio de mim.
Tu me matas em teu amor,
De tremor e de alegria,
E aqui vou subindo estas escadas vacilante.

terça-feira, março 13, 2007

PARA COMER NA ESTRADA

Eu sinto ser um pedaço de Deus
E Ele um porção fragmentária,
Me sinto um tanto de semente guardada,
Um pouco de esperança nas chuvadas.
Me vejo como um fio de água escapada,
Um sonho que se esquece, na madrugada,
A vontade insana pela paz, isolada,
E às vazes me sinto assim,
Como se fosse nada.
A gente vive pelas ordens de Deus,
E em se transgredir esses assentos seus,
O mundo muda, a gente passa a ser,
Um tronco solto, uma raiz já morta,
Um fio seco, por onde a água não se entorta.
Um solo infértil, uma beleza feia,
Por diferentes vertentes correm nossas veias,
E não resiste o sangue, o coração se seca,
Porque em tudo Ele, se nos dispõe e tira,
E bota. Aqui foi o bom lugar,
E é ainda de se ficar, mesmo sonhando,
Sonhando e não vendo os rostos,
Comendo e não sentido o gosto,
Amargo da sentença arbítrio
O livre consenso a que chegamos,
Cépticos, sem braços, sem nada,
Sem olhos, sem luz,
Às vezes me sinto um pavio escuro,
Uma lenda antiga que não se passou no mundo.
Deus que continue, a acharmo-nos ignorantes,
Que ele mesmo cuide dos tempos avantes.

sexta-feira, março 09, 2007


ROSA AMOROSA

Que o vento não maltrate
Os galhos verdes-musgos
Onde fostes gerada.
Não se modifique, impresso nas paredes,
O rosto dos teus altares.
Nenhuma nota de tuas canções,
Aí no teu peito.
Que não soprem os ventos
Sobre o fundo dos teus passos nas areias
E que não se desfaça o sono dos teus cabelos.
Que o vento não turve o teu lago translúcido,
Velhas imagens sem fim mostrando-se.
Que não se transfigure nenhum arvoredo
Nem as cores de nenhuma casa,
Nem os teus sonhos de Deus e dos altos.
Calçadas, ruas - redutos escusas de vultos e ecos.
Formosa,
Que a te protegerem fiquem os ventos de asas quietas
E um silêncio de paz azul.
Seja uma encosta límpida que te guarde,
E de onde eu te contemple,
De um doce amor,
Só de ternura comovido.
Formosa, sejas sempre flor,
Eternamente.

quarta-feira, março 07, 2007

EU LA MANCHA

Amar um gesto que tudo ébrio,
Permite-se no vento afundar,
E dar-se mais, ao que tiver na espera.
A pedra o risco de voltar jamais.
Amar perdido de amor tomado,
Puxado a vil monumento agastado,
A voz já rouca de implorar que deixem
Seus olhos verem se lhe cabe a cabeça,
A altura a forca que se vão largar.
Solto o destino, solta a sorte,
Larga-se sozinho espreitando a morte,
Que antes de abraçá-lo se compadece e chora,
Ainda não é hora, o amor vai se abrasar.
Amar redondo, o mundo circundado,
Cadê Dulcinéia, fugiram meus lugares,
Onde fico, dormem meus cansaços,
E a minha fadiga de me levantar.
Acorda-me amor, amor com beijos,
Retira a infante veste, de couraça,
A espada pesa. Sinto que a loucura,
Deixarar-me louco, por não te encontrar.
Campos, trigais, moinhos ao vento,
Vê-se distante, mais longe, te amo.
Mostra-me antes, dos caminhos limpos,
O lume longe do teu olhar tão belo.
Ó formosura, amar encarnado,
Amor que sinto, corpo atormentado,
Mas louco não sou eu,
São os que não me vêem
Como um ambicioso por amar demais.
Quero-te inteira, em carne e sentimentos,
Quero-te sentada, posta à minha frente,
Como uma deusa ainda inacabada,
Que o cinzel que aponto vai ressuscitar.
Sou um sonhador,
Só por querer amar a flor.
A flor do amor da flor,
Do bem querer.
Dizem que sou louco
E isso, sei, eu sou,
A flor do amor da flor
Vai me querer.

domingo, março 04, 2007

VIGÍLIA

Quando chegares da distância,

Ainda não estarás comigo,

Quando entrares nos meus braços,

- meu abraço-

Ainda não estarás comigo

Quando entrares em nossa casa,

- na nossa casa –

Ainda não estarás comigo

Quando deitares no meu leito,

No meu leito – no meu leito –

Ainda não estarás comigo.

Quando estiveres bem no centro

Até o profundo do meu ser,

Ainda não estarás comigo,

Ainda não estarás comigo.

Quando deitares no teu leito,

- no teu leito –

E quando aos adormeceres

- dormires –

E quando a noite escurecer

- tudo escuro –

Quando eu, vigília, dentro do teu sono,

Sentir que dormes, teu sono merecido

Aí, tu estarás comigo,

Estarás comigo – estarás comigo,

Aí amor, estarás comigo.

sexta-feira, março 02, 2007

Ai, como eu gosto de ser poeta. E ser homem, andar reto, ter um caminho limpo à frente e atrás. Poder dizer o que sinto, como verdades, sem ferir, fazendo valer o lirismo como didática a que todos aprendam que a vida é boa, que a vida é um ofício, que a vida é para viver não para matar.
Ai, se meus filhos fossem como eu, sonhadores, que perdem ou acham tempo, brincando com as nuvens, contando estrelas, se arrepiando ao ver uma rosa, valorizando os espinhos que a protegem.
Ai, como doeria ser outra coisa que não esta, ter a vida em festa quando um velório passa, porque se assenta em minha cara que aquela alma não está perdida. Encontrou-se afinal, lá no édem, nos confins dos céus, ao lado de Deus, onde ferve a verve do cantador, do inventor dos sonhos, do sonho, do sono acordado, da vida pesada leve.
Amo a poesia como amo as mulheres e o que sai de suas bocas, o que se expõe aos nossos ouvidos quando, duvidosos, elas nos agasalham em seus regaços; ai vida bela assim, ai ventura sem fim! Ai, agora uma mulher dentro de mim.

foto: meu filho Pedro

Naeno

AMOR

Difícil falar do amor
Ele fugidio, abstraído, confuso,
Um nome dado a um sentimento,
Sintomático da Silva,
Dos sobrenomes todos da vida.
E quem é ele, um vulto
Na multidão dos tristes,
Na reunião dos rebelados,
Rompidos a sangue e fogo,
Com suas práticas sentenciadas.
Difícil dirigir-se a ele,
Pairar sobre as montanhas,
Às vezes ir muito além,
E gritar por qualquer nome,
Até que se manifeste, o nefasto,
A má obra, peça inacabada.
E como se anunciarão seus dentes,
O seu semblante como se verá,
Algo deplorável, compassivo à dor.
Desconfiável, improvável que assim se mostre.
Deve vir como uma presa astuta,
Pulando de galho em galho, irritadiço,
Fazendo caras e bocas, brincando à toa,
Fazendo loas, cambalhotadas,
De nada ouvindo, tudo calando,
O amor vem dando visões de barcos,
Em pleno mar, que ora aparecem,
Logo se escondem por trás das ondas,
Em descompasso, com os olhos turvos
Que sobem e descem desesperados.

TERESINA

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