Raspo o fundo da panela
A ver brilhar uma cor que desconhecia,
E me alimento do ferro,
De outras comidas servidas e alimentadas,
E me viro ao pote e afundo o copo
E bebo barro diluído em água.
É a fome e é a sede,
É a minha casa e minha rede,
Onde me deito para a cesta,
Pra ruminar o tempo, arrotar ferrugem,
Já me acostumei com o grude,
E disso passo, e lavo o prato,
E a colher com a ponta suja.
E volto em casa, e pego das mãos
O anel que é de minha mãe,
A aliança que é de meu pai,
E os guardo atrás do quadro do Coração de Jesus.
Agora vou ver o pedaço plantado de arroz
Diminuído em altura e largura,
A cada vento, que não traz água.
Subo a porteira com destreza,
Ainda sou moço, mas há tristeza
Dentro dos meus olhos, no meu passado,
O meu presente cheio dela,
E eu como gamela que dormiu na bica,
E amanhece cheia quando a chuva fustiga,
Dizendo, agora vai, agora é meu tempo.
O vento que o meu coração desertifica,
Racha-o em fendas descidas,
Até que um dia separa-o em bandas,
E meus sentimentos como é que ficam,
De que lado sente dores,
De que lado a comoção do amor
Que há de brotar um dia,
Que já plantei, que já reguei,
Que tenho limpado o seu derredor,
E agora quem vai bater,
Quem vai verter sangue à cabeça,
Aos meus braços que dão pras mãos,
De cavar, de cavoucar, de raspar,
De levar à boca a colher de lixa.
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