quarta-feira, janeiro 31, 2007

CHORO

Eu não choro de uma vez, um único pranto.
Choro como sangue que não se estanca,
E quem mede o tanto é o que bombeia.
É o poder de jorro, de sentimento e dor do coração.
Quanto mais me lembro do que já esqueci,
Mais me respinga as vestes, águas que se invertem.
Em doçura e sal, em candura e mal,
E eu choro, pelos olhos, e narinas,
Me molho inteiro, como um dia de janeiro,
Para o que já previam um temporal sem controle.
Choro pelo choro, das lágrimas que vejo,
Pelas que escorrem e eu pressinto o veio,
Que é infindo, deságua não sei onde,
Mas em algum lugar do mundo,
O que verti terá valido, como água,
Como alívio da sede dos sequiosos.
Choro pelo que vem, ou vai, e pelo que nem sei.
Choro pelo que imagino e não vejo,
O que imagino existirem, por ai, como eu.
Corações mais férteis, lugares desertos,
Quem ame mais que eu,
Pois não se chora e se dissolve pelo mesmo mal.
E o que provoca essa explosão interna,
Dos leitos sob a terra, lágrimas de olho,
São as dores, são as dores, são as dores.
São os amores, são os amores, são os amores.
As dores que causam os amores quando doem.
Os amores que causam as dores quando, doem
.
DIVAGAÇÕES

Ah, esta vida sestroza,
Em que beco me espera,
Do tanto que ela é medrosa,
Não dá um passo sem a escora.
O o esteio dela sou eu,
Veja o disparate a agonia,
Em vez de com ela eu contar
Ela se perde no dia,
De noite eu deixo ela de fora
E morro mas nada dela eu imploro.
Nem que arrede o pé,
Nem que inútil deite,
Num pano que eu largo armado,
Longe da porta do quarto,
Até que o dia amanheça.

Vida tão maliciosa!
Fala pra todos de fora,
Que é ingratidão o que lhe faço,
E nem me pega na mão.
Só que elas tem seus dias,
E eu tenho só, minhas noites,
Isso na vida é tão bom,
Não viver só de açoites.
O dia pra ela é dado,
E a noite pra mim é ludo.
Eu chamo a ela de ausência,
E ela me chama de escuro.

terça-feira, janeiro 30, 2007

NOTURNO


Três da magdrugada e só eu ando comigo,
Ouvindo a marcação dos chinelos, duas batidas
E a cidade tão calada, ouve meus alaridos,
A noite tem a companhia das estrelas,
Algumas vezes da lua,
E tem a cidade, os arquejos dos mendigos,
Tem os gatos tem a rua.
E eu passso sozinho,
Ninguém entre eles me conhece,
Passo quando, a mesma hora, sempre,
Quando tempo adormece.
E acerto o galho da rozeira,
Por que um dia me mostrou,
A claridade, em pleno furor,
Mas tem algo que eu não gosto do dia...
Vê-se tanta fantazia,
E vê-e gente de mais.
A noite não mostra cores
Mas evidencia os odores,
De todos os jardins das casas.
E, de vez em quando, vejos uns anjos,
Que descem dos seus milhões de anos,
Por que por lá o sol chegou.
Três da madrugada,
E conto errado, meu relogógio mara dia,
Mas meus olhos sõ vêem as ruas,
E os anjos lindos, sentados na escadria,
Da igreja, quem diria,
Eles me chamam prá cantar.
Um canto triste, claro,
Mas à noite é raro, você encontrar alguém,
E mais difícil é alguém rindo do nada.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

MÃOS VAZIAS

Passo a mão dentro do mundo,
Como quem vai pegar um mosquito,
Às vezes fico entretido pensando
Haver ficado algo preso entre os meus dedos.
E vou abrindo devagarinho,
Como quem abre um presente, agradecendo,
E não vejo nada contido,
E começo a lavar meu rosto,
Para semtir minhas mãos cheias
E o que levo aos olhos é pouco.
E ao descer a mão à pia,
Nada restou, tudo escorreu pelos dedos.
A vida a assim corre, um afluente,
De queda livre, uma corrente,
Onde a gente mete as mãos,
Enche-as, sente-as cheias
E se leva a boca e quase tudo escoa,
Que para nos banharmos completo,
Tantas vezes teríamos de exercitar o braço,
Num sobe e desce, e traz não traz,
E o que resta quando chega ao cabelo,
Não é suficiente para molhar.
O vácuo, o enorme campo,
Por cima das clareiras, das arvores altaneiras,
Das ervas repisadas, corre a vida,
Um rio que não se vê, um mar que não se vislumbra,
E quando esse depositário, um turbilhão,
Passa por dentro da gente,
É tudo o que não podemos pegar,
E se juntamos é pouco, talvez dê para um almoço,
Mas não dá até o jantar.

domingo, janeiro 28, 2007

PARADO

Sou este modelo vivo
com gestos previsíveis,
que não se arrasta além do espaço
demarcado à roda dos meus pés.
Sou quieto
convivo com a mosca
a arrodear meu lábio quente,
uma vontante, de torrente,
de andar, de sair, correr frente de mim.
Não me acostumo aos limites das estradas,
minha vontade é furar o mato,
como boi com seus dias contados.
Nasci sei, prá ser conselheiro,
lampião, do mundo inteiro.
Mas conto meus moviemntos
numa cadência comovente,
que nem um bolero de dar,
nenhuma conversa boa,
ao ouvido da amada,
leva-me assim, tão devagar,
e eu dou pro mim no espelho,
com um brilho leve no rosto,
da prata que me aspergiram,
das lágrimas que correm lisas,
por este rosto riscado,
em tantos afluentes vivos,
e ninguém à minha frente
ver que por dentro de mim corre
um amor, uma virtude.
Amar como um espantalho
vigiando à sua frente,
a única ave que queria ver pousando.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

TEU NOME

Nos meus papéis importantes,
Nos lastros planos das árvores,
Na minha carteira de trabalho,
Na minha camisa, na gola,
Eu escrevo teu nome,

Nas nuvens claras do céu,
Na areia quando a maré alisa,
No coração de papel,
No balão que solto ao céu,
Deixo escrito o teu nome.

Nas paredes em ruína,
No casarões tombados,
No cimento ainda molhado,
Na meia na parte que se vê
Eu deixo o teu nome escrito.

Nos pés dos altares,
Nas toalhas que sobram ao chão,
Nos dias claros de verão,
No meu casaco de inverno
Eu já escrevi o teu nome.

Tatuado no meu braço,
Que se expões quando a camisa arregaço,
Nos meus dias de cansaço
Nos embrulhos que carrego,
Eu sempre escrevo o teu nome.

É como marcar-te minha,
E em tudo que vejo, se aninha
O meu olhar de emoção,
De ter-te por onde eu vá,
Te afundas em meu coração.
O AMOR

O amor, esta vontade de sofrimento
Me faz dar voltas no mundo,
E em torno de mim onde roça seu cheiro
E quando eu saio de mim
Num futurismo sem pé nem cabeça,
Dou com os peitos no mar cheio,
De outros, que como eu vem
De suas voltas, já por voltar,
Tempo querem apenas descansar,
Da busca infinda,
Que continua ainda na volta
A volta de fechar.

O amor esta ambição
Que não se toma à força,
Se pede implora, como uma esmola.
Por ele que as nossas pernas roça
Faz a gente dar voltas perdidas,
Se fica tonto e não se tem conseguido
Dele o facho dos olhos,
Uma migalha uma esmola.
E porque ocultar-se
Coisa tão nítida,

Porque não está, de porta batida?
OLHOS DE LINCE

Quando eu não tinha estes olhos,
Em molduras de vidro,
Existiam coisas que eu pegava
E que agora a mão não vai no seu sentido,
Coisas que eu via até por dentro,
E lia os meus pensamentos,
Agora se leio uma bula,
Erro no medicamento.
Quando eu não tinha estes olhos,
De coruja dormindo,
Tinha a razão do que eu via,
Ai, meu olhar inocente,
Olhos, faróis de carro novo,
Não precisa ver de novo,
Pra me esquivar do que era,
Perigoso, algum tormento.
E os meus olhos são os mesmos
E são mesmas as coisas vistas,
Como é que pode, eu não vejo,
Eu não sinto.
Se a gente sente é pelos olhos,
E não pelo coração, o que falam,
Está explicado eu não ver,
E me esquecer da primeira amada.
MENINO

Quando eu era um menino mirrado
Bem pequeno, que ninguém percebia
Eu já muita coisa sabia,
Porque tudo o que as pessoas falavam
Eu ouvia, em todo lugar eu cabia
E ninguém me percebia,
Ou faziam de conta que eu não existia.
Um anjo com miopia,
Era assim que eles me viam.
Uma vontade de saber o que não sabia,
Curioso como um papagaio aprendiz,
E ninguém me via,
E tudo eu ouvia.
Quando comecei a falar,
Não comecei pelo que a minha mãe dizia,
Me pus a falar de coisas já de aprendiz,
Discutia geografia,
Calculava a geometria,
Delineava a filosofia,
O que acontecia no dia a dia,
Citava já algumas poesias,
E mais, curioso eu ouvia.
A história de Cristo eu sabia,
Do inquisitório, da condenação, eu via,
O erro maior da história, e não entendia,
Como é que se mata Deus, e Ele assim permitia.
Sabia de Napoleão que nenhuma guerra perdia,
De Sócrates a verdade que se puniu,
Contava a estória de Lampião
Do seu encalço, a polícia,
Armada de artilharia, mirando ele e Maria.
Mas continuava tão pequeno,
Que tudo que eu dizia,
Ou ninguém nada entendia,
Ou, como a mim não percebiam.

quinta-feira, janeiro 18, 2007


O que há
Só com o meu coração...
Será só de mim toda dor,
Insistente esse amor,
Viverá só em mim.

Eu terei,
De chorar quando eu quero,
Sorrir,
Eu terei de viver,
Quando quero morrer,
Só pelo meu coração?
PARCERIROS

O sol vai minguando
Saindo sorrateiramente,
Como um a se desgarrar da família.
Acabou o arroz, o feijão não deu,
A farinha no fim,
Hoje ninguém comeu.
O sol vai sumindo
Como um pai, procurar
Onde tenha arroz
Que se venda fiado
Onde tem feijão
Que se troque por trabalho.
O sol vai saindo devagarzinho
Lhe faltam forças,
Hoje ninguém comeu.
Ele não olha pra traz
Ele deixou na porta
Aflitos e famintos seus filhos.
O sol saiu com o dia,
O dia deixou a casa fechada,
Tudo por dentro apagado,
E não deixou nadinha,
O feijão acabou,
Acabou o arroz,
O resto de farinha.
O dia foi comprar querosene,
Os dois foram caçar emprego,
Tentarem fiar,
Trocar por suor,
Comida,

Um clarão cheio de mantimentos.
ALÉM

O mar divide lugares, separa gentes.
Assim também são as serras
Que não te dão vistas mais além.
Paradoxalmente, quando o mar divide,
Está separando e ligando.
Assim não ocorre com as serras.
Que não te permitem a visão
Do seu outro lado.
O mar é líquido, uma lâmina
Que reflete e que se anda encima.
As serras são obstáculos propositais,
Estão ali para nunca se liquidificarem,
Não se poder andar por cima,
E nem se mirar à frente,
E mesmo sabendo que após há gentes,
Estas ficam invisíveis indefinidamente,
A não ser que o mar invada tudo,
E a arraste, e torne a serra líquida,
Navegável,
Porque o que une as gentes
Que o mar separa,
É saber que se pode navegá-lo.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

LUA A PINO

Uma noite de lua a pino
Meu Pai sentado num cantinho
Chamou-me para junto dele.
Puxei a cadeira e sentei,
Ele entretido na beleza da lua
Tendia a ficar calado
E eu o deixei assim.
Que ele ficasse calado
Porque na vida não foi tão amado.
Deixei-o com os olhos parados
Porque a vida lhe foi um arado.
Deixei-o na sua quietude
Porque na vida nos dedicou atitudes.
Deixei-o na sua calma
Como se descansasse a alma,
Deixei-o com os olhos no além,
Porque a vida lhe passou como um trem.
Deixei meu pai mudo,
Porque na vida quase lhe faltou tudo.
Percebi que pouco me via,
E eu permiti a ele aquela alegria,
De ficar tempo inteiro olhando a lua,
Que seus olhos quase no escuro,
Também mirassem o céu, as estrelas,
Ele que na vida passou em portas estreitas.
Fiquei com o meu pai ali, sem assunto,
Eu com o coração perdido,
E ele perdido o alto do mundo.
IRMÃOS

O sol que cobre todo o mundo,
Faz de nós todos iguais
E comuns em todas as coisas,
Por que num momento qualquer do dia,
Todos o olham, igualmente, como eu
E nesse cândido momento,
Todo explícito e espelhado
Como o amor que nem percebem,
Devolvem-no a mim que primeiro viu,
Que por tantas vi o sol nascer
Mas não sentia, não me percebia,
Capaz de senti-lo assim,
Uma coisa adorável por todos,
Que a todos serve, acalenta e sai,
E volta nascendo e pondo,
Talvez, mais que a vida, esperado.





PAUTA

Eu quero fazer um poema
Assim, métrico,
Tenso, como um fio elétrico
Para que todas as manhãs
Os pássaros venham cantar.
Eu queria fazer uma música
Na pauta tensa da rua,
Para toda noite a lua,
Tocar nela e rebrilhar.



VIDA

Sou um vazio tão imenso e fundo
Que tudo que me ponho vira vazio,
Uma casa desalojada
Que o número ostenta,
Um atrativo à vida, que nela entre,
E constate o seu vazio, vazio,
Nada ficou a não ser seu nome,
Sua essência, casa.
De tijolos, telhas, e tinta.
Assim eu a imito. E ela?
A casa se imita.
Uma pedida que não vale,
E se a depender dela,
Passará dias, meses e eras,
Vazia, com a aparência de casa.
Parecido, fiquei de pé,
E ao me levantar vi tudo cair,
Tudo o que jogara dentro
Do vazio, vazio, por onde tudo sai.
De consistente, um arremedo de obstáculo,
Onde o que acresço pode enganchar-se
Só a sua essência de ossos e carnes,
De deduções, de calamidade.
A minha vida anda assim, meio leve,
Tênue, que se eu voar, ninguém me pegue
.

'leia ENTRE EU E DEUS'

terça-feira, janeiro 16, 2007

ENTRE EU E DEUS


Deus, perdão!
Se eu não errei
E me chamei pecador.
Se nos tremidos do mundo
Eu segurei pessoas no ombro
E quis que a morte
Me lançasse nos escombros
Que ajudei afastar.
Perguntai as línguas daqui,
Sondai ao sol meu vizinho antigo,
Se por alguma vez fugi de onde nasci.
Ou se por uma única vez saí de onde morri.

Perdão, Deus!
Se nas guerras que guerreei
Separando afastando contrários,
Sedentos um pelo outro,
E depois de haver enxergado a paz,
Eu desejei pra mim todos os disparos.
QUALQUER MANEIRA

Você já amou como amam os cães,
A quem as carícias em si não bastam
Pegar e beijar é pouco.
A repulsa, de quem deseja é suportável,
E o cão tenta de novo,
E tantas vezes precise... sem desistir.
Nem pensar em sair do derredor da cadela
E neles inflama mais a verve do amor,
E até se mordem, como se indispusessem
O amor deles e eles perdessem a comoção.
O amor entre um cão e uma cadela,
E de outros bichos da mesma espécie,
É como se fosse uma luta flutuante,
Uma nuvem batendo em outra,
Causando os relâmpagos, faíscas de gozo.
Assim os cães se amam,
E se amam tão intensamente, inteiros,
Que depois do rito, os gritos não os separam,
É um cordão umbilical, agora feito,
E agora nascendo.
Eu queria amar como um cão louco,
E soltaria uivos ao ver minha amada chegando,
E a cheiraria, lamberia todo o contorno do seu corpo,
Até que amada, em troco,
Me desse a flor, a flor do meu espinho.
A VIDA RI

Ontem eu vi a vida sorri,
E vi seus dentes cor do dia,
Ee vi seus lábios cor do entardecer,
Lábios molhados como quem vai nascendo.


Ontem eu eu vi que a vida existe,
Que a morte não pode com um sorriso,
Por isso é séria e sem graça,
Eu nunca vi a morte sorri.


Hoje a vida continua a rir,
Como se estvivesse de bem com ela,
Como se estivesse se vendo refletida,
Num espelho imenso se vendo nítida.

Ainda hoje a vida rir,
Como se a felicidade não acabasse,
Como se uma conquista tivesse galgado,
A de ser vida, em tudo metida.

Ainda agora escutei gargalhadas da vida,
E não se cança em mostrar-se feliz,
E agora eu sei, está esclarecido,
A vida não tem planos para partida.

AFOGADOS

Já fiz poemas e depois lancei-os nágua
Por vezes era como se não tivesse feito,
Nem poema, nem jogado o papel na água.
Noutras vezes, por algum nome escrito,
Ficava por vezes aflito, julgando haver ofendido
O nome e a criatura, por tantas vezes repetido.
Eu não gostei do poema, não era o que achava fazer,
Mas a pessoa não merecia, agora afundada não emergia,
E me sobrava o nome, e mais uma vez a tentativa,
De faze-lo à sua altura, ao topo de minha paixão,
Outro escrito, outro poema,
Como mandava o meu coração.
Em algumas vezes deu certo, e o poema guardei,
Noutras que deram erradas as palavras e o intento,
Rasguei mais deixei guardadas, ali comigo, à mão.
Meus poemas são de amores,
E com ardores eu componho meus versos,
Por isso os que ficam nas águas, em córregos, imersos,
Tem por mim esta reação, de muitas vezes, querer busca-los.
Mas se a flor que se me anima a vida, se dispersa,
E de mim não mostra sequer uma promessa,
Estando eu solitário e louco,
Fico a pensar onde andará aquela ilusão,
Quão besta não fui ao usar minha inspiração,
Fazendo pra quem não merece, dando minha devoção.
Ah papel, já retalhado, que vires mofo e lodo,
E que algum sapo enganado, o tenha engolido, folha
.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

A LUA E O MAR

A lua se ver no mar refletida.
E fica a retocar o seu rosto.
Puro pensamento descabido
A lua não se retoca.
Nem fica a se olhar distraída.
Não usa desses artifícios
O mar é quem se vira pra sua beleza
E fica a lhe embalar, a noite inteira,
Como se dormisse com ela em seu leito.
É uma miragem que ele ver
Vê-la adormecida, ali juntinho dele.

Sem saber que a lua percebe
O mar exagera e se bota a cantar,
E cada onda é um pedaço de uma canção,
E mais delira, e a lua fica...
Naquele leito frio até que o sol apareça.
Mas a paixão do mar é a lua,
E ela assim se insinua,
E quando o mar quase não mais a enxerga,
Ela o iludindo, já por vaidade,
Diz já vou! Quando for tarde da tarde
Eu volto para este lindo leito.
E dormirei contigo, cantarei contigo
E te ouvirei, músicas que eu não sei,
Pois te ouvindo não dormirei,
Nem meu caminho largarei,
Por traz de traz me guardarei.


'leia ANTONIO'
ANTONIO

Da Cabroeira do Coronel Antonio
Corre a notícia de um de pongo
Uma oferenda que o mundo arrefece.
Agora pensam em fazer quermesse
Mais que tão ágeis no gatilho são,
Pra mais de tantas quarenta Lacraias
Cujo veneno se enterrar no oco,
Pouco em outro oco de outro mundo cai.
Não foi da parte do tal Coronel
A trégua dita, mas que não parece
Partiram foi deles, agora redimidos
Que não pedintes para outro Antonio.
Um Antonio bento, um santo Beato,
E que se fala nele como um Santo alto,
Atormentado do sol e do mundo
Ficou metido bem no meio das serras,
E tem vigias nos cumes mais altos
E reza, e reza, só por Deus se cala.
E só a Ele se sente devendo,
Não deve ao mundo que não lhe deu nada.
Um Conselheiro um profeta louco,
Que em todo canto por onde passou,
Deixou erguidos templos já ruídos,
Deixou encanto e se deixou sumido.
Por Inhambupe, a terra do outro Antonio
Rajou com os homens os devotos seus,
Trouxe os benditos do dono, fiéis,
A cabroeira ignóbil do velho coronel
E deixou lá mais que um inimigo,
Plantado ao chão, jurando-lhe o umbigo,
Rezar que o santo não é santo do céu,
Um blasfemador contra os vexos dos homens
Contra as sandices de quem fala e insiste
Em tomar o povo de forma lasciva
Impondo ao pobre outra obediência
Desta vez aos homens, não a Deus do céu.
Assim tornou-se Antonio Conselheiro
O dono do trono, das terras de Antonio Coronel


'leia MUITO'

domingo, janeiro 14, 2007

MUITO

Adoro quando tu vens da padaria
Com os pães presos sobre os peitos,
A tua saída diligenciosa, às mesmas horas.
E eu me posto em frente à porta,
Esperando o tempo quando levanta as pernas,
A pisar cada degrau, até pisar a calçada,
Quando vou ao teu encontro pego tua carga,
Mordo a ponta do pão, e tu reclamas.
Isso são modos.
Modos são os teus divina, em quem nunca vi nenhum erro,
Um desdize em suas ações nem de brincadeira.
A não ser na intimidade que temos,
Quando tu te me entregas frouxa de rir,
Com a cócegas de minha barba em teu juízo,
Ali tu perdes o senso, e eu me perco inteiro,
Ao ver teu corpo desnudo numa forma
De nem sei o quê.
Como se define o corpo de uma mulher,
O que alguém diria do calor
Que emana do ventre ardente de quem se ama.
Adoro, e sem isso não vivo, o teu olhar de acabou,
Quando me fintas de lado, sungando o dorso pra traz,
A encostar tua cabeça sobre meu ombro suado.
Amo-te, sincero, pois como não havia de amar,
Quem me causa saudade, ao ir a padaria,
Que me causa pressa, por caminhares devagar,
Que causa orgulho em tê-la assim nos meus braços.
Amo-te mais que a própria vida,
Posto que a vida é toda tu, faltando os teus beijos,
Amo-te mais que a minha vida e muito,
Pois o que é minha vida, quando te retiras do meu redor.
Nada e nada mais quero amar, basta-me tu,
Indecifrável, indescritível, inatendível, Deusa
Que nos meus braços caíram.
Amo-te do tamanho e forma daquele
Que mais amou neste mundo, a sua amada.

'leia FELIZ'
FELIZ

Perdão aos que me vêem assim, feliz.
É só jeito de impor-me à vida
Que não gosta de pessoas infelizes
Por ela todos eram como não me posto.
Um sofredor, resignado, rastejante.
Por ela não haveriam sorrisos,
E é por isso que eu rio, rio de nada.
A depender de suas graças,
O mundo era um cortejo extenso,
Daí eu só mandar flores,
Que ela me tome como diferente,
Dono dos risos, das caras de paz com ela,
Que ela me conte como um aventurado,
E conste no seu relato, eis um erro,
Um descalabro, alguém que nunca chora.
Ele não conta despedidas, não vai embora.
Por isso quando quero me derramar em água,
Me tranco no mais escuro do meu quarto,
Derramo lá o que tem pra ser aguado,
E o tempo que for necessário, a dor , o pranto,
Eu quieto, se ouço alguém por perto,
Bato martelos, passo as mãos nas cordas do violão,
Quando a voz destreme, imito um canto,
Pois quem canta está feliz,
E assim pra quem ouve eu fiz
Daquele dia, sozinho, uma farra.
Mas não deixo de sorrir, de mostrar-me feliz,
Assim a vida me deixa, sem saber que sou,
Entre todos os que ela persegue
E quer passar ao extremo fio,
Talvez eu seja o mais infeliz.
Feliz eu não sou, ou não estou,
Mas como eu, esses que a vida dá-se como castigo,
Sou mais um que ela, apenas não contou.


'leia BELEZA'
BELESA

Beleza só se vê quando se risca o fósforo,
E se corre o risco de queimar a própria sorte.
Beleza é um tesouro, posto no fundo da mina,
Que só quem sabe ver, sabe os caminhos.
A beleza é um altar posto à frente, rente os olhos
E só quem se ajoelha contemplando e não ignora,
Que também há de beleza nos seus olhos aprendizes,
Onde também vê-se lume pelos mesmos caminhos.
Para se ver a beleza é condição natural,
Estar-se lindo e imaturo para as astúcias da divina.
Porque toda divindade nos espanta,
E a beleza é um quebranto.

De bem traçadas linhas,
E não há quem não se importe, lhe vendo
Não como os olhos, os dois,
Ou como o coração cheio da graça, que lhe acomoda.
E se dar como morada, oferece o bem tratar,
E se fixa no deslumbramento,
Da beleza que se aumenta,
Se aproximarem os olhos, o coração sente bater,
À porta do seu claustro a maçaneta doer,
E mão lhe toca e arde, prenuncio, de claridade,
Já os seus olhos estão prevendo a dor, que a si chamam
E seus motivos tem, aqui não fala a razão,
Aqui diante dela, é visão fácil, é ilusão.
Beleza só se tem, quando se acende o facho na escuridão.
E deixa tudo assim, como fosse outro clarão,
A luz que vêm de fora, o lume da própria beleza,
E beija o seu anel, e se beija.


'leia RIACHÃO'
RIACHÃO

Olhou no meio da noite
E viu no meio da noite
Um mar de escuridão
E disse não.
A vida é mais que um pernoite,
É mais que a boca da noite
A vida é mais que um baião,
E disse não.
E deu, de colher, um naco
De quebrantos e cuidados,
Junto às folhagens do mato
Que verdejavam o chão.
E quis os astros molhados
Daquele céu naufragado
Nas águas do Riachão.

'leia PEÇONHA'
PEÇONHA

Quanto a serpente
Serpenteia no chão ela deixa um risco.
É uma estradinha, quase nada que ela faz,
Mas ali é uma seta,
Um tantinho de leito reto
Que aponta para uma perdida ida.
Ou uma decisiva vinda

A gente não sabe o sentido,
Só se sente uma agonia,
Se saber se vai ou vem,
Aonde estará a peçonha,
A coisinha de presas medonhas,
Que dizem que até voar pode.
A prudência pede que se pare,
Que dê ouvidos à mata,
E onde bater o chocalho
É lá onde a bicha está,
A ameaçar, a cavoucar,
Roendo o estômago de fome,
Já sabe de algum e seu nome,
E é só questão de segundos,
A gente também ouve ela mastigar.


'leia ANJOS EXISTEM'

sábado, janeiro 13, 2007

ANJOS EXISTEM

Anjos existem em todas as cores,
Anjos passeiam por entre as flores,
E o que não se vê são só as estrelas,
No alto que ficam, a gente crer.
Que quem nos trisca às costas
Não são pessoas, são guardiões
Da vida, presença que se gosta.
Eu já vi anjos vindo, vi deles até sorrindo,
Em pleno sol da estrada onde eu ia só.
Anjo é essa companhia que não desgruda,
Cuja missão aqui é fazer por nós,
Aquilo que ninguém se arrisca,
E pra eles não existe riscos,
Anjos são esta força vinda do coração.
Anjos passeiam à tarde, em pleno verão,
Nas avenidas cheias, nas estações
Cheias dos viajantes,
Cada um com sua pressa,
Que sentam-se correndo e não olham perto.
Anjo caminham nus,
As roupas lhes mostrariam,
Um pudor que a Eles, não caberia.
São os Anjos pureza, alma e beleza,
São o recheio de nossas vidas vazias,
E se por um chamamos,
Até sua voz escutamos,
Anjos são os pingentes das lotações.
Anos são velas postas,
O amor chegando na porta,
São os cortes fechados, do coração.
São os desejos os gestos,
São esses manifestos,
O entortar da boca para um sorriso
.


'leis DEDUÇÕES'
DEDUÇÕES

Uma coisa me entristece,
Saber que não fui aqui
O que podia ter sido em todos os lugares.
Uma pessoa próxima de mim
Sem medo dos meus previsíveis soluços,
Sem o castigo dos passados rústicos,
A lembrança que não quero esquecer.
Pois se esqueço estarei a ser
Um desterrado de mim,
Pra quem sempre foi assim,
Cruel com os pensamentos,
Desvirtuador dos sentimentos,
A puxador de modas antigas,
Um saudoso das caatingas,
Um perdido, um João Batista,
A comer lagartas no deserto.
A segunda coisa me entristece mais ainda,
Daí ser a segunda que me lembre,
Pois que se revertesse a ordem,
Seria leviano a não ser pouco cruel comigo,
Lembrar-se desse elefante,
Vê-lo no meu passo, dando quaro dos meus,
Já pego já destroçado, amassado, dentro da terra,
Esta dor deixo para o segundo plano,
O plano dos desenganos,
Do que não se pode mais fazer nada a evitar,
Lembrar é o pior sacrifício,
E a segunda coisa lembra a primeira,
Eu não fui, nem consigo ser
Um homem feliz, mesmo arrodeado de rosas,
Anjos acalentando o meu rosto
Com suas mãos de plumas,
Deus falando: é normal, se erra, se perde,
E depois se acha.
Mas julgo-me perdido,
Mata adentro, um esconderijo
Onde me escondo do mundo.
Esta dor de não estar presente,
Nas festas de natal, nos aniversários da vida,
Nos beijos da saída e da entrada
.


'leia LINDEZA'

sexta-feira, janeiro 12, 2007

LINDEZA

A vida é muito bonita,
E é bonita a rosa com seu cheiro e sua cor
A borboleta é bela,
É bela a mata entardecendo.
É lindo o amor demonstrado, puro
É de uma lindeza os olhos que o constata perto,
É bonito o nascer de cada estrela,
E é esplendoroso quando chove serenoso
É bonita a sutiliza de uma mulher
E é linda a ave cantando na copa da árvore.
É linda uma mulher africana com suas vestes estampadas,
E é bela uma mulher ocidental sob seus saltos altos.
É de encher os olhos uma criança nascendo,
É de merejar o olhas o rosto da mãe, preparada para amar.
É notável o entardecer e a relva verde,
E é espantosa a beleza do gado quieto pastando.
É escandalosa a lindeza dos olhos de quem se ama,
É notável o momento em que os olhos param um para o outro.
É bonita a consistência da força de Deus,
Como são lindos os seus anjos benfazejos.
É bonito se olhar a fundo, pois em tudo tem beleza,
E a lindeza está em se olhar e ver tudo bonito.
E bonito tudo,
Como é lindo o nada em seu momento de guardar
É bonito o cheio
E o vazio explícito depósito de algo bom
É bonita a pureza
Com que falam os homens, dizendo a verdade,
É linda a verdade esclarecedora do homem íntegro.
É bonito o terço
É linda a ladainha,
E bonito o que cala a ouvir atento,
E é lindo o sermão do padre versando Deus.


'leia CABARÉ'
CABARÉ

Rumores de uma noite de porteiras abertas

Todos no pátio numa algazarra de querência.
Pentes roçam os cabelos e água cai pelas costas,
Ternos e casacos puxados pelas pontas
Ao ponto do bolso onde se guarda
Os honorários dos homens, as gorjetas das raparigas.
Carros de enfeite, já os burros se mexem
O cabaré se vira num amanhecer num ponto
Os homens não se vestem como a mulheres,
Ninguém lhes ajuda, a parceira sabia,
Mas no liso convento as mulheres se amaram,
Como penitentes, um flagelo de laços,
Umas se seguram, outras puxam e encolhem
Que fazem as linhas tensas um pelourinho armado.
Risos soltos esvaziam as bocas das mulheres,
Os homens roçam o bigode, malícia de coronel.
O baile não começa, porque a noite não pra baile,
É para os finca-pés, os senta e sai dos colos,
As cadeiras esvoaçantes, qual ancas de égua erada,
Panos por sobre pano, por sobre pano, por sobre nada.
Às vezes quando se chega a encher o chão de algodão
Depara-se com uma magrela, o desejoso brocha e grela
Os olhos no disparate. Inventa uma desculpa,
E enquanto ela ajunta a estufa, já ele tem outra sentada,
E rir-lhe à boca, comenta os olhos, e faz cosquinhas,
E deitam e rolam, e bebem e mijam e esquecem a cueca.
Só os homens voltam pra casa,
As mulheres voltam ao fortúnio
Amar é um bom negócio, amor é um negócio bom.
Hoje a noite prometeu, o que amanhã será melhor,
Os homens vão cheirosos, as mulheres preparam o ópio,
Com mãos de creme massageiam e se dão como cópia,
Da mais gostosa fruta, da mais cheirosa rosa,
Da mais quente fornalha, que queima por fora e dentro
.


'leia PALAVRA'
PALAVRA

Não tenho outras coisas que se conte.
E o que não consegui em matéria,
Me virei para as palavras.
E guardo frases melodiadas pelo vento,
Quando batia de frente com cordas finas
De minha garganta.
Guardo num relicário, nem sei se é pecado.
Coisas que disse e gosto de repetir, falando.
Como: O amor só serve para deixar saudades;
Fazer poesia é ruminar a imagem
E cuspir só a palavra.
Que tortura o entendimento do que se inventa.
Para verter-se em sopro, ânimo e beleza
À mulher que pare, ao choro que cale.
Ai, pesadelo morrer-se pela boca
Tremendo as mãos provocando loucuras.
Ai que bravata acumular-se ao vento
Que só vez por outra vem te confirmar
Que tens alço escuso, que não podes mostrar
Porque nem todos saberão o que é
Uma cicatriz profunda, uma paixão, uma mulher.
Que a palavra diz e o pensamento

Ausente não pode confirmar.

'leia A FALA'
A FALA

Sei pouco do que pensam que sei
Se falo a evitar o silêncio
Que se veste das vestes da morte
É que temo estar morto, e sem saber
Falando sei que estou vivo,
Estando calado, quieto, forjo um sorriso
Só para verem que ainda estou vivo.
E por desatino assim determinei pra mim,
Que a vida é a fala. Tanto que o morto cala,
E o seu silêncio definitivo é escabroso,
Afigura-se uma vontade de não mais falar
Estampada no seu rosto.
Também não e dado a quem já foi,
Deixar sua voz, outras palavras
Que tinha por dizer.
A morte é uma surpresa
E se percebe quando a boca se fecha,
E o coração se cala, como se tanto fez,
O que fez e sentiu, e tanto faz
O que não resta mais.
Qualquer estória, em qualquer pé
É um bom motivo pra parar,
A sua história fica pra quem bem quiser,
Falar, contar.
Calou-lhe a voz, foi-se a foz
Que espargia palavras, vida,
Que vida é falar.

foto: Vitor Hara, um guerrilheiro constra os instintos dos assassinos da Ditadura, que moreu quando sua voz deu-se por calada.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

BOM SENSO

É de bom termo
Quando o sol vai deixando o dia.
A gente ouve os badalos dos corações,
Mãos distantes se entrelaçam e não se soltam mais.
O sol deve saber
Que pra algumas coisas serve
E para outras desserve
Quando no seu rigor se mostra brasa,
Queima o que se plantou
E quem esperava pela semente, chora.
Ou extermina aquelas que já iam rachando,
Que quando em ajuste com as
Nuvens carregadas, gera um arco-íris,
Uma visão inexplicável e pura.
Que quando se afasta
E permite as nuvens se derramarem
Fertiliza a terra e o que morreu ressuscita,
O que não prometia nada
Volta a ser esperança e vida.
É de grande valia o sol e seus raios uni colores
Que amarela a terra e mostra as feições das gentes,
Mas quando se ausenta, e no seu lugar,
Uma lua mansa, calma, outras sensações disparam.
O amores não se contêm e se embaraçam
Os caminhos são visíveis e frios,
Próprios para se andar na paz.
DISCO VOADOR


À meia noite acordei pelo alarido,
Pessoas loucas acorrendo rumo a um circo armado,
Como do nada, sem fazer barulho,
Tinha a forma de um cupinzeiro gigante,
Mas algo tinha de anormal e diferente,
Por todos os lados saiam fachos de luzes,
Focos de todas as cores.
Eram braços compridos em forma lanternas,
E eu vi ainda, sem ter encostando no objeto,
Que pessoas eram pegas por aqueles braços de raio,
E recolhidas para dentro da lona, e não mais voltavam,
Assim, foram quase todos imaginava,
Porque só alguns ainda se movimentavam em sua volta.
Mais curioso e já amedrontado, vendo aquela coisa assentada,
Pegando um por um com suas mãos de facho.
Me aproximei, o suficiente que dava para também ser pego,
Mas calculei, seus gestos, por onde saiam as mãos
E me contive na distância que me garantia seguro
Foi ai que vi e me convenci dos prenúncios do dia.
Era a tal nave, com todos da cidade a bordo.
Ouvi ainda uma voz, numa língua indecifrável,
De um estranho que botou a cara fora por uma janela.
Falou e eu entendi como se dissesse ainda tem um.
E eu me afastei, e em passos de galope entrei em casa.
Mal entrei, tomei um copo dágua, já a nave se erguia,
Levantava-se lentamente. Depois de uns cem metros de altura,
Pegou uma velocidade azul, rápida sumiu nas nuvens.
E a cidade inteira ficou abandonada, e um só vivente.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

ACALMA

A quanto tempo o Carro-misto e o Horário
Não passam na estrada mais perto de casa
Todo o mundo vivia um inverno rigoroso,
Que até para plantar era mais sacrifício,
Que se o solo, em vez de alagadiço, tivesse seco.
E o que traz o tal Carro-horário, de bom que todos anseiam,
Que mais com ele se preocupavam que com os desmoronamentos,
Com as casas de taipas que caiam uma aberas da outra.
O horário trazia gente, gente nova da cidade,
Homens com óculos Raiban falsificados,
Cabelos com brilhantina glostora, pente flamengo,
Cheiro de colônia que se sentia à distância.
Bugigangas para nas quitandas serem trocadas,
Por sal, açúcar, café, querosene.
Era como se chegasse o padre
Que nas desubrigas de outubro e novembro,
Passava, casando, batizando, e comia tudo que achasse à frente.
Padre Tarcisio, hoje uma lembrança sem vergonha,
Sem pecado, nenhuma mácula aos mandamentos da divindade trina.
O padre abastecia os corações de esperança e fé,
O carro-horario, abastecia os homens de futilidades,
Que eram sonhos, pequenos sonhos, daquele resto de gente,
Que morando de favores, nas casas de parentes,
Viam na chegada do navio cargueiro,
A solução de tudo, como se fosse, também,
Um helicóptero da cruz vermelha.
NATIVO


Por ter nascido e aberto os olhos dentro da mata
Peguei esse olhar de ave espantada
–As pedras me rodeias e vêm de baixo,
Como agourado, o que vem de baixo pode me atingir -
Adquiri essa aptidão de entortar veredas,
E a deixar retos os caminhos tão iguais,
Como todas as coisas que vi
Sempre, tão do mesmo jeito.
Coisas que não tinham nome,
Algumas a gente punha apelidos,
Como os pássaros, do mesmo meu desconfiar,
Uma ave foi sempre ave,
Poço se chamava poço,
E grota era grota, no inverno e no verão,
Cheia e seca no chão.
O palavreado da gente era livre
Não pediam esses e erres
Colocados como verdadeiramente dizem
E podíamos colocá-las aonde queríamos
No começo, no meio e no fim da fala,
E todos entendiam o que se dizia,
E podia responder livre, vindo ao contrário.
Por ter nascido e criado na mata,
Era ela a minha mãe
E tudo que pedíamos dela, ela nos dava,
Plantadas, pela mão de quem
Antes de eu nascer e saber que pedra
Era corisco descido do céu,
E que nada era mistério,
A não ser as pessoas já encantadas.
O resto a gente improvisava,
Troncos podiam ser bois nominados,
Talos viravam cavalos ariscos
Montados pelos vaqueiros em bando.
DISTÂNCIA

Por aqui vou, me distancio,
Não pensei nenhum destino
E qualquer parada
Poderá ser a derradeira.
Porque vou levado, vou
Escapando desta cilada,
Preparada pelo amor.

O destino de quem ama,
Quem saberá?
Os braços, a distância,
A cama, se convier,
A calmaria, a paz?
O desassossego, o lastro,
Um nocaute previsível.

Vou por aqui, sem ainda,
Saber se vou ter de chorar,
Se vou querer voltar,
Ou se vou me tratar.
Amar estar acometido,
E ão é de uma doença à toa
É uma doença
De dor, embutida,
Diagnosticável.
POESIASONHO

Queria usar as palavras sem estar
Preocupado com o impacto e sentido delas

Queria assim compor um poema idependente,
Das rimas, que as agulhadas fossem apenas nele.
Que me redimisse a busca do que jogam fora,
Essas estrelas que os poetas lançam mão
Com elas eu queria montar o recheio
Da grade feita com os entulhos lançados nas calçadas.
Será possível montar-se uma poesia
Que dela alguém dizia: belo jeito, conhecida forma,
Esta poesia tem tudo o que era de mim
E eu por ser muito perfeito, peguei e joguei fora.
Queria que os obstinados,

Maratonistas atrás de rimas e flores,
Visse em meu poema sem cores, nem brilho
Uma outra coisa, rápida, fugidia,
Que quando visse já visse outra coisa.
Uma poesia em que a mulheres cantam
E aos homens, poetas, causasse espanto,
Que a última palavra, ao findar meu fôlego
E não dispor de nenhum dicionário,
Não rimasse com a primeira, nem fosse,
Um monte de osso, a acrescesse carne,
E não fosse um açougue, fosse um homem,
E fosse a alma e fosse gente.
BRINCADEIRA

Já tive amores
Não do tanto que tive carros de brinquedo
Com os carros perdi tempo,
Fui além da fase de menino,
Já um homem feito, vivia a sonhar com eles
É que já vim consegui-los muito tarde,
E por assim dizer, o amor vivia esquecido,
E já vim ter muito tarde,
Quando já era um homem refeito.
Brinquei puxando o amor pela lama,
Carregando-o de tampas, pedras
E largando a carga no pé da calçada,
Numa garagem improvisada,
Demarcada com quatro tijolos de olaria.

O amor quando vim dar conta,
Já nem me queria,
Por desajeito em lidar
,Como um carrinho carregado,
De me mostrar e me arrebatar.
Mas o amor que tive aos amores,
Ainda foi menor do que tive aos carrinhos.
Amor depende de cuidado, carinho,
Enquanto um chevrolett de plástico,
A gente suja, arranha e guarda.
Se eu fosse tratar os amores assim,
Ou teria um por cada dia,
Ou de dez em dez anos,
Quando os menos avisados esqueciam.

terça-feira, janeiro 09, 2007

SOZINHO

O amor é uma companhia
e eu já não posso andar sozinho pelos caminhos
Porque eu não sei andar sozinho.
Uma vontade faz-me ter pressa
E me entreter menos
E sinto que gosto de andar olhando tudo

A ausência de um amor a mim,
Esteve sempre comigoi.
E eu preciso tanto de um amor
Que se não trago, penso
Como se fosse alguém a andar comigo.

E se um dia eu ver um amor,
Ou que só sinta,
Me arrepio, não sei porque me altero
Quando o não sofro de amor.
Tudo em mim é arquétipo de abandono
E o que é real, tudo me olha,
Com o delírio de um amor que a mim olhasse.
EU E MEU PAI

Quando perdi meu pai
Foi como perder no mundo o meu lugar,
Pois onde Ele estava eu estava,
Cavei com Ele, pra lá das contas
Covas no campo limpo para o arroz.
Selei cavalo, amansei burro,
Queimei com Ele os monturos,
Pra outro fazer no lugar.
Fiz a escolha por ele como Pai,
Herói foi só uma tendência minha,
A admirar tudo o que Ele fez,
Um homem, não um aprendiz, de brincadeiras.
Quando deixei de ver meu Pai
Passei a enxergá-lo muito mais,
Pois tudo o que faço e sinto,
Está ele a dizer baixinho: Quê que é isso rapaz,
E se a vida pensa que O me tirou,
Errou mais uma vez, comigo,
Ela O me deixou.
E mais íntimo, mais cauteloso,
Uma fala que escuto, um coração que perscruto,

E amo, amo demais, essa solidão do meu Pai.
VERSO

O que me faz contar em versos
Ser este prospecto que ninguém ler todo,
É uma pressa que conta a minha alma, em desassossego
É medo de perder-me enquanto me alongo,
Fazendo um simples ponto curvar-se em circunferência.
É um temor cruel de que ninguém me entenda,
Mesmo que não estenda ao que quero dizer,
E digo mais, sendo uma sinopse,
Escrita me utilizando do que de bom aflora.
Agora mesmo não saberia contar,
Que estes versos são escorridos dos dedos,
Que a maravilha perdeu-se com ele,
Pro fundo foi, na areia se escondeu.
Eu escrevo coisas curtas, mas que não são breves,
Que elas se altere conforme anda o mundo,
Nesta marcha lenta, que a todos engana,
E mais trás motivos, e mais guarda lembranças.
Quando escrevo torno na margem da direita,
Não é temendo um louco desgovernado, vesgo
Que do outro lado rasga-se e buzina
É que ser precisos nos dois sentidos impossibilita,
As palavras cruzarem o tempo e a vida
.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

CRESPO

Ruflam tambores pelas laterais do arado,
Será por alguém que vai ou que ficará
Um ritual que a muitos encrespam
A mim causam a curiosidade de escutar.
Não é preciso sair para notar,
Contar de perto os que caem em devaneios,
Tão tolos são que sentem dentro de si
Entidades falsas e coragem a sobrar.
Dizem que os tambores são corações de Deuses,
Pulsando mais que costume, não dá pra ouvir,
E os homens do arado, que amanhã bem cedo,
Amararão os bois na carroça varredeira,
Não pensam nisso, que eles vão atarás.
Fazendo a mesma força que máquina do arado.
Capinam o dia, à noite tocam, à noite cansam,
Vêem-se o dia e a noite tornam a se encontrarem,
E é como se nunca um tivesse visto o ouro,
Estão em transe entre o céu e o lugar.
Pobres criaturas iludidas, pobres.
Quem viria agora chocalhar com eles,
A ficar surdo de tanta impulsão,
Com as batidas loucas das mãos no couro.
Dizem que por lá, de onde vem o torpedo
A alma é o medo de morrer queimada,
De sucumbir a um inferno mais quente
Que os penitentes já vivem a morar.
Deus tem compaixão, por deixá-los crer
Faltando isso eles estariam já sem donos,
E um que quisesse lhes tirar o couro,
Como se faz com a rês no abatedouro
Era só fazer-se desse santo estranho,
Pedir-lhes os que quisesse, a vida até,
Que talvez fosse a mais fácil oferenda,
E se caminharia todo o povo inteiro,
Rufando tambor, dançando na areia,
A parecer com o vento, dos tufões,
Pés de maia, que a terra abafa,
E a endurece mais que seus corações.

domingo, janeiro 07, 2007

A CIDADE

Duas horas da madrugada
A cidade está toda abandonada.
Os meus olhos não me servem mais
Sem que seja para fecha-los e dormir.
Manelão ainda não está dormindo,
Mas o banco da esquina está vazio.
Vazio como o meu coração por estas ruelas varridas.
Deixaram-me como vigia dessa noite comum
Noite de aperreio, em que meu peito
Treme como um chão de terreiro na hora do santo.
As baianas passam largando suas saias
Com bastas de barro pela minha calça jeans
E eu sinto o frenesi que elas sentem,
Porém eu não sinto nada, nenhuma entidade,
Estou aqui porque é o único endereço vivo,
O único ponto da cidade que pulsa,
A esta altura da noite ou da manhã, de madrugada.
Duas da madrugada e eu ando com passos largos e lentos
As rosas adormecidas me deixam tocá-las por fora das grades,
E os vigias dormem escorados nas paredes.
Alguns se deitam diante da porta
Como se houvessem chegado tarde
E seus pais com indignaçãose negaram lhes abrir a porta.
Como fica leve e habitável a cidade dormente,
Ninguém a gritar pelo mercado,
Nem sussurros se ouve dentro das janelas,
A cidade que sonhei é assim como ela.
Desabitada, deitada sobre os homens,
E os seus escombros são suas casas,
Suas praças na forma intacta
.
NEVE

Embora nunca tenha visto a neve de perto
- como nas fotografias das revistas –
Já andei em dias de pleno sol por aqui.
Chapéu de peão, feito de palha,
Um sentimento de satisfação no peito.
Cantava as cantigas daqui,
Que os que se acostumaram a neve não entoam,
E se me vissem como eu me punha,
Não me felicitariam na primeira visão,
Com aquela aparência de felicidade
E despreparado para a vida lá por cima.
Aqui chovera a algum tempo,
Uma água rala, tão fina
Que mal molhou a roupa esquecida
Do dia pra noite, e da noite pro dia.
A vida dos que andam nas neve
É como a dos que andam na areia quente,
Tanto um como o outro se ressente,
Um de frio, outro de calor.
E há jeito para o frio, caso fosse aqui,
Com esses lençóis finos.
No sol a gente se abana,E coloca o lençol sob a cabeça,
Tira o chapéu, põe-se no ventre,
E dorme-se como os de lá,
Embrulhados dormem.
Cada lugar é cada cilada,
Deus não fez as coisas assim
Só pra serem diferentes não.
Eu continuo com o sonho
De ver tudo isso aqui branco,
Como eles da neve, sonham
Com a areia nua e esquentada.
BULIÇOSO

Na calçada o vento ler os meus poemas,
Numa velocidade motorizada.
Além do que meus olhos acompanhar
Exposto agora estou,
A tantos quantos ele segreda,
Saberão dos meus delírios, minhas frustrações,
Meus rompantes de amor.
Todos saberão que não ando feliz
Isso me fez sentir uma revolta num repente,
Resulstou numa indignação maior
Do que uma violação na carne.
Eu cá comigo guardava a proscrição
Dos meus versos.
O vento entorna, e mais interessado
Volta a reler meus papéis
E comenta, me condena.

Eu ouço, no vai e vem incontrolável
Das dobras nas páginas marcadas,
Acentos, riscos, marcados de onde
Suponho ser o meu distrair maior,
Aonde suponho haver
Algo que me comprometa
Pelos meus incógnitos pensares
Que o vento não traduziu,
Partes pequenas que a ele bastou
Para agarrar-se a mim,
No desejo de entender e dizer
De um pobre poeta,
De gramática,
Só, verticalmente estático
No seu revés, frontal, entendedor de nada.


CANÇÕES NO AR

Quando o planador
Derramou canções
De frente para o sol
Onde serpenteia a colina,
Eu falei pra falar nada
Disse pra ficar calado
Que de louco, compositor e artista
Ninguém aqui tem é nada.

CIDADE DOS MORTOS

Eu não gosto desta de cidade.
De ruas tortas, sem nenhum esquina,
Sem nenhum abrigo
Pra se encontrar um amigo.
Não gosto das insinuações
Do povo pelas janelas,
Esta cidade é aquela
Do cemitério roubado,
Das portas escancaradas,
Onde não morava ninguém.
Eu não me dou com o coração
Não interno nenhuma emoção
Nem externo qualquer reação
Nesta cidade quase oculta,
Não se vê pela rua um mendigo
Um professor, não se ver um livro,
Aqui ninguém ouve um vizinho
Não se vê um passarinho tomando sol,
E o sol não passa por aqui,
A luz evita caminhar acima
Por que suas ruas não tem esquinas,
E onde haveria um violão que anime
E quem sem um amor cantaria.

Nesta cidade não tem amores,
Um homem dentro e uma mulher fora
Uma soleira de uma janela,
Onde se ponha os cotovelos,
E fale desse desvelo, com um apelo,
Aqui ninguém tem um amor.
ESCALADOR

Quando eu era menino
Costumava escalar as pequenas costanerias
Das encostas da minha casa.
Depois procurei outras mais altas
E outras mais esticadas
Que davam pra ver as nuvens passando perto.
Isto nunca me deixou
E eu nunca deixei se perder
O meu aparato de escalador.
Um par de botas de soldado,
Uns fincadores de ferro feitos por meu pai,
E a coragem de um menino
Que sonhava com as alturas.
E fui ganhando mais gosto e audácia,
Subi o que tinha como desafio por perto,
E longe, em temporadas
Que as vezes duravam semana.
Minha mãe não aprovara
Tampouco meu pai, aquilo não rendia nada.
O que rendia era desmatar, roçar, encoivarar,
Queimar, limpar, plantar um campo
E enche-lo de arroz, feijão também.
Mas o que me mantinha quieto,
Era o arquiteto das montanhas
Habitado em mim.
E ficava dias planejando uma escalada
Que às vezes não me tiravam duas horas.
Até que chequei aqui, no meio dos luminares das estrelas,
Passeando por entre as galáxias.
A nuvem onde eu estou já a algum tempo,
Fica, em ponto, abaixo, muito abaixo,
Da Arca de Deus.
Lá é impossível chegar, dista muito do meu lugar,
No canto esquerdo de minha tenda
Estão, como novos meu par de botas,
O perfurante que meu pai me deu,
E alguns metros de corda de palha de tucum.
Mas nunca vi Deus, nen eu posso subir,
E ele parece não querer descer.
Ainda não deu pra vê-Lo.
Mas de vez em quando eu tenho sentido,
Um encosto leve como o vento da manhã,
Como a se roçar na superfície do meu coração.
Penso ser Ele, por que quando alguém se encosta em nós,
Um amigo, alguém que nos ama,
Se sente pelas costelas, pelas pernas, pela frente
Nunca pelo coração.
O coração recebe gratificado a entrada.

REVIRAVOLTA

Quando contigo estava
Este bem era minha paga
Da vida eu tudo gostava,
E mais vivia por que a ti me dava,
Só para te ver,
Já que não te vejo,
Para que vida ter.

Vivo de uma saudade,
Por que na minha pena,
Por ti não fui mais visitado.
Que inimigo agora tenho
E comigo agora venho,
E isso me leva a fazer
Da minha ida uma distância,
Mas que vivas, enquanto me embrenho.
Não me atrevo falar,
Mais como te chamavas querida,
Ou te chamar minha vida,
Pois comigo tu fostes má.
E ninguém entenderá
Tudo o que estou a fazer,
Pois que já fostes a minha vida,
Contigo não mais consigo viver.

TERESINA

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