quinta-feira, agosto 10, 2006

ANTONIO CONSELHEIRO
Chamava-se Antônio Vicente Mendes Maciel. Quando chegou aos sertões da Bahia e Sergipe, em 1874, apresentou-se como Antônio dos Mares. Seus adeptos, numerosos desde os primeiros tempos, consideravam-no santo, Santo Antônio dos Mares. Depois Santo Antônio Aparecido, Santo Conselheiro, Bom Jesus Conselheiro. Historicamente, tornou-se Antônio Conselheiro, o mais divulgado dos seus apelidos.
Tinha 44 anos no tempo da chegada. Magro, barba e cabelos crescidos e mal tratados, metido num camisolão azul, impressionava a gente sertaneja. Conversava pouco, mas pregava muito. Rezava e fazia rezar. Dava conselhos. Condenava o luxo, preconizava o jejum, verberava contra a mancebia. Seus acompanhantes deviam ser unidos pela benção da Igreja. Levantava muros de cemitérios, construía e reconstruía capelas, abria tanques d’água. Prestava grandes serviços à comunidade do sertão, fazendo que toda a gente trabalhasse nas suas obras beneméritas.
Ainda no Ceará, declarou a um conhecido que fizera uma promessa de levantar 25 igrejas. Talvez não alcançasse o número pretendido. Porém ornou os sertões de templos. Em Mocambo, hoje Olindina, no Cumbe, agora Euclides da Cunha, em Manga, atualmente Biritinga. O tempo e os homens destruíram as capelas mencionadas. Nada, porém, abalou os alicerces das igrejinhas de N. S. do Bonfim (Chorrochó), 1885, e a de Crisópolis, sob a proteção do Bom Jesus, 1892. As armas da Quarta Expedição contra Canudos derrubaram duas capelas ali erguidas a de Santo Antônio e a do Bom Jesus, esta última ainda em construção. Antônio Vicente faz jus ao título de grande construtor de pequenos templos.
A voz era suave, mansa, na hora de conversar com seus acompanhantes. Tornava-se agressiva ao combater os republicanos, os maçons, os protestantes. Desafiava-os. “Apareçam os republicanos!”gritava, levantando o cajado de pastor d`almas.
Chamava a todos de meu irmão e os irmãos tratavam-no como meu pai. Meu pai Conselheiro, beijando-lhe as mãos e até o camisolão que usava. Não queria que os fiéis se ajoelhassem diante dele. “Deus é outra pessoa”, declarava. Agradava-lhe dizer-se um simples peregrino, um pecador a purgar seus pecados.
Santo para o povão dos sertões, era acusado de prática criminosa pelos seus inimigos. Diziam que havia perpetrado, em sua província natal, um crime hediondo. Matara a esposa e a própria mãe. Levaram-no preso para Quixeramobim, a vila cearense onde nascera, a 13 de março de 1830. Nenhum delito cometera. Ele ainda não completara cinco anos quando morreu sua genitora e a esposa infiel viveu muitos anos após a separação do casal. O Juiz de Direito da comarca colocou-o em liberdade. Retornou aos sertões baianos num ano dramático, em 1877, no tempo de grande seca. Procurou ajudar os homens e mulheres vítimas da calamidade.
Além de levantar igrejas e muros de cemitério, contribuiu para a fundação de cidades. Crisópolis, Chorrochó, Olindina, nos primeiros tempos da sua formação, contaram com o trabalho do grande líder dos desafortunados nos últimos anos do século passado. Fez obra construtiva.
Caminhante inveterado, conhecia as regiões banhadas pelos rios Itapicuru, Vaza-Barris, São Francisco. Deparamos sempre com notícias de sua passagem pelos mais distantes pontos localizados nos vales dos três rios. Fazia o novo e reconstruía o antigo. Em 1892, numa das suas visitas a Monte Santo dedicou-se a restaurar as capelinhas ali levantadas por frei Apolônio de Todi, no século anterior.
Manifestou-se a favor da abolição do cativeiro e deu guarida aos negros “treze de maio”. Os caboclos dos aldeamentos de Rodelas, Mirandela, de Massacará formaram ao seu lado. No Belo Monte, uma das ruas era denominada dos negros, outra dos caboclos. Ao lado dos índios e negros apareciam os brancos em expressivo número, muitos deles homens de recursos, proprietários de pequenos lotes de terra e donos de casas de comércio. Canudos era um mundo.
A partir de 1892, a imprensa baiana começou a divulgar que o Conselheiro combatia a República. Era verdade, inexistindo, todavia, qualquer contato do chefe sertanejo com os restauradores do Rio de Janeiro e de São Paulo. Partidários do Bom Jesus, em 1893, destruíram no nordeste baiano, no Soure, tábuas de impostos colocadas pelas autoridades municipais. Reagiu o Governo Estadual. Uma expedição policial, enviada para prender Antônio Vicente, foi batida na noite de 26 de maio. O Governo desistiu de remeter novas forças para vingar o insucesso sofrido. Por seu lado, suspendeu Antônio Conselheiro suas andanças, indo viver no povoado de Canudos, que ele transformou em Belo Monte, à margem esquerda do rio Vaza-Barris. A população cresceu assustadoramente. Belo Monte ficou sendo um estado dentro do Estado. Tentou-se, por intermédio de frades capuchinhos, em 1895, dissolver pacificamente a gente conselheirista. A iniciativa não foi bem sucedida. Frei João Evangelista de Monte Marciano, que dirigiu a missão, relatou seu malogro num relatório, enviado ao Arcebispo da Bahia, D. Jerônimo Tomé. As notícias do frade alarmaram as classes dirigentes. Os republicanos exaltados pediram providências.
A guerra contra o Bom Jesus Conselheiro começou em novembro de 1896. O Juiz de Direito de Juazeiro, Bahia, que tinha divergências com o Conselheiro, solicitou ao Governador do Estado, Luiz Viana, a remessa de força pública para impedir que a cidade fosse invadida pelos Conselheiristas. O Conselheiro fizera e pagara antecipadamente encomenda de madeira para a igreja nova e como o pedido ainda não fora satisfeito, boatejava-se que o povo de Belo Monte iria forçar a entrega do taboado. A solicitação do Dr. Arlindo Leone atendida, determinou a ida de uma tropa do exército, comandada pelo tenente Manoel da Silva Pires Ferreira. Era para defender Juazeiro e terminou rumando contra Canudos. No povoado de Uauá, perto do Belo Monte os soldados de linha foram atacados pelos jagunços. Os atacantes abandonaram o campo da luta mas os vencedores, sem condições para perseguir o inimigo, bateram em retirada. A primeira Expedição contra Canudos fora vencida. Nova Expedição, prontamente organizada, rumando para Monte Santo, sob o comando do major Febrônio de Brito não teve melhor sorte. Aproximou-se do arraial conselheirista, mas preferiu recuar. Vencida a 2ª Expedição, o Governo da República entregou ao coronel Antônio Moreira Cézar, soldado temido, a tarefa de defender o regime instalado em 1889, que parecia ameaçado pela gente sertaneja.
Força poderosa, mais de 1.200 homens de todas as armas, sofreu em março de 97, defronte ao povoado, uma derrota tremenda. A tropa fugiu espavorida, sem ordem, aos grupos. Morreu na peleja o famoso coronel Cézar. Os jagunços guardaram as armas e munições dos derrotados. Sobressalto nacional. República em perigo. Grupos jacobinos no Rio de Janeiro e em São Paulo empastelaram gazetas monarquistas, incendiaram carros, atentaram contra vidas. Canudos ganhou proporções de problema alarmante. Preparou-se a Quarta Expedição, chefiada por um general-de-brigada Arthur Oscar de Andrade Guimarães, com mais dois generais comandantes de colunas, oficiais superiores em grande número. Milhares de homens d`armas vindos de quase todos os estados. A tropa poderosa levou meses para abater a heróica resistência dos sertanejos. Somente em outubro, com inúmeras baixas, as milícias republicanas dominaram e arrasaram o chamado Império do Belo Monte. O vencedor, sem grandeza, degolou vencidos, que se haviam entregue. Um dos maiores, senão mesmo o maior fratricídio da história do Brasil. Uma página negra. A tragédia de Canudos merece ser recordada como uma advertência, que visa a defesa dos direitos humanos.

Um comentário:

Anônimo disse...

a maior chacina, a maior burrice de que tenho conhecimento. Canudos foi devastada, seu povo exterminado, por um idealirrealizável do seu líder, como você falou insano. Um santo, acrescento mais.

Izaac Castro

TERESINA

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