PASSAGEM

O vento que, como eu ocupa um espaço,
Sem que nem ele nem o espaço se veja,
Por certo farão mais falta que eu,
Com todas as mascas que deixo, se é que as deixo,
Por que ele, o ar, não toma lugares,
Não onera o mundo, não come nem bebe,
Não retira nada, só promove a mutação,
O embelezamento das copas,
O ressurgimento das folhas e flores,
Que esse mesmo tira, não por capricho,
Mas porque passar, é a sua missão.
E cada um cabe um papel, no mundo
Um mais distantes, outros mais profundos,
Uns que deixam marcas, marcas irreversíveis,
Outros que deixam apenas uma sensação voa
De por aqui, entre os homens, haverem vivido.
Entre o ar que não proclama, bêbado
As repetições de Nostradamus, que não poetisa,
Em praça pública a chamar a atenção dos ocupados,
E eu que tudo isso calo, e às vezes um pouco falo,
Mas deixo marcas irremediáveis pelo chão.
Pelos papéis onde me expus, sacrificado,
Pelas rimas rebuscadas, com as quais perdi tempo,
Enfim o trabalho, que um dia tive dar-me,
Como um infortúnio, um ofício duro, de dor e chama.
E quando se referirem a mim, nunca cometam a blasfêmia
De só por ser um ser, não me compare a Cristo,
Este foi vento, o vento a que me detenho, calmo,
Promissor. Um vento fértil que tantas vidas embelezou.
De flores de folhas, de frutos. Assim se viu as copas
Das mais distantes e altas árvores,
agitarem-se só por sua passagem.
naenorocha