ARTESÃO

Tudo o que faço e desmancho,
é na intenção de chegar ao belo,
ao que ninguém ousa dirigir-se de jeito especioso,
todo bolo tem de ser extremamente gostoso.
O que faço só digo feito depois de acabado,
a matéria-prima, o tempo, a vontade,
como Aleijadinho, que só dormia depois de toda a cidade,
resmungando, com as mãos enroladas em pedaços de saias,
latejando, lapidando, se dividindo em dores.
Mas ele conseguiu a perfeição em tudo o que intentou,
pela maestria de Deus, incompadecido de suas dores.
Tudo o que eu faço ou refaço,
desfarço em mostrar algo bom de mim,
nenhuma dor suportei prá que alguém ao ver-me
diga que sou outro Aleijadinho.
Sou só eu, um caprichoso e ocioso operário,
um artesão dos olhos, da boa vontade,
e nunca me daria em exposição, sentindo,
que me vejam antes do que aquilo que fiz.
Assim é com os meus filhos, admiráveis,
quero que eles saiam antes de mim, à frente,
como comissão de escola de samba, o seu destaque,
e que atrás siga eu, com a parafernalia,
tudo o que usei na feitura deles,
o amor, que farta em mim, o calor, que me abrasa
o desejo, preces de mim, a vontade de que fosse assim.
Tudo que faço e confirmo feito um dia se desfará,
pelo desmanche contínuo de minha vontade,
da minha vida e minha visão.
naeno:191006
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personagem em tela: meu Pedro